| Julho 2, 2021

A sensibilidade luminosa das árvores

texto: Consuelo Miranda
tradução: Manuela Tenorio

como a contaminação luminosa afeta a composição e a estrutura trófica dos ecossistemas e espécies que crescem em um entorno urbano? A iluminação noturna pode prejudicar as árvores?

Se conversássemos sobre a contaminação luminosa, provavelmente discutiríamos sobre o impacto no céu noturno, a dificuldade que se apresenta para a observação astronômica e uma longa lista de problemáticas que interferem nos nossos afazeres, na subsistência e no desenvolvimento humano. Entretanto, se deixamos de ser o centro das atenções e nos aprofundamos nos efeitos ecológicos negativos, como a contaminação luminosa afeta a composição e a estrutura trófica dos ecossistemas e espécies que crescem em um entorno urbano? 

Neste caso em particular, vou me referir ao efeito que a iluminação pode ter nas árvores. Partindo do princípio de que as árvores têm um papel fundamental no nosso planeta, e que é um dos principais agentes que devemos proteger para combater as mudanças climáticas, acredito que é pertinente perguntar: A iluminação noturna pode prejudicar as árvores?

Sabemos perfeitamente que a iluminação noturna pode influenciar em vários processos naturais e que têm um impacto tanto nos processos biológicos como ecológicos em várias espécies. Porém, para poder compreender o efeito em potencial que a iluminação pode ter nas árvores, é importante se conscientizar do amplo espectro eletromagnético de energia radiante ao que estão expostas.

Uma abordagem do espectro eletromagnético

O espectro eletromagnético se refere a toda à energia radiante que viaja através das ondas, onde a longitude das ondas pode variar de nanômetro (nm) a quilômetro (km). Todos os segmentos deste espectro cumprem um papel no funcionamento da nossa biosfera.

Para ter um ponto de partida, devemos saber que a luz visível varia entre 380 e 760nm dentro do espectro. Esta fração estreita de radiação é importante uma vez que essa é a parte que a nossa vista pode detectar e, portanto, torna-se visível.

A natureza das árvores e o espectro eletromagnético

Para um crescimento e desenvolvimento normal, as árvores dependem da radiação eletromagnética em 3 aspectos:

  1. Qualidade (longitude da onda e cor)
  2. Intensidade (brilho)
  3. Duração dentro de um período de 24hrs (fotoperíodo)

Entretanto, para uma árvore, não é relevante a procedência da radiação, desde que o requerimento da longitude da onda, intensidade e duração sejam proporcionados.

Da mesma forma, as árvores têm dois processos fotobiológicos que precisam de certas longitudes de ondas: a fotossíntese, processo para o qual precisam de luz visível azul (400-450nm) e vermelha (625-700nm) e o fotoperíodo, processo para o qual precisam de luz vermelha (625-760nm) e infravermelha (760-850nm).

Entre os processos mencionados anteriormente, o papel da fotossíntese e o processo metabólico que ela envolve é bem conhecido, que nada mais é do que o meio pelo qual as plantas transformam substancias inorgânicas em substancias orgânicas, transformando a energia luminosa em energia química produzida pela clorofila. No entanto, o fotoperíodo – o papel da duração do dia e da noite, o qual controla o crescimento e a reprodução das arvores- é menos conhecido.

Diante do exposto, é necessário ressaltar que o fotoperíodo ocorre uma vez que as árvores são capazes de detectar mudanças sazonais. Isso, por meio do uso de duas proteínas fotorreceptoras: o fitocromo e o criptocromo. Essas proteínas correspondem a um pigmento azul esverdeado que regula o desenvolvimento da planta, a germinação das sementes, a floração e a expansão das folhas, uma vez que percebe a duração do dia e da noite, dependendo das longitudes de onda que recebem.

Dessa mesma forma, estudos revelam que a duração ininterrupta da escuridão durante um ciclo de 24 horas rege o processo de desenvolvimento das árvores, tanto como a dormência, como o crescimento dos brotos e a floração. É por isso que as árvores, assim como outras plantas, são classificadas em dia curto, dia neutro e dia longo, dependendo de como respondem à duração do dia.

Portanto, interferir na duração do dia e da noite com alguns tipos de iluminação noturna pode alterar o fotoperíodo e consequentemente, perturbar o processo de desenvolvimento das árvores.

Efeitos da poluição luminosa nas árvores

Cabe destacar que a maior parte da iluminação noturna não tem intensidade suficiente para afetar a fotossíntese das árvores, mas pode afetar aqueles que são sensíveis a duração do dia. Como referencia, a intensidade de luz necessária para que haja a fotossíntese é de 54.000 lux. Porem, para que ocorra o fotoperíodo é necessária uma intensidade de 3,24 a 162 lux. 

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A intensidade de luz necessária para que haja a fotossíntese é de 54.000 lux. Porem, para que ocorra o fotoperíodo é necessária uma intensidade de 3,24 a 162 lux. 

Por isso, a iluminação contínua priva as árvores do período de escuridão natural noturna, alterando seu processo natural, fazendo com que a folhagem dos indivíduos que crescem sob a iluminação noturna seja maior, mais suscetível à contaminação ambiental e ao estresse hídrico durante sua estação de crescimento, uma vez que os poros estomáticos nas folhas permanecem abertos por períodos mais longos.

Por outro lado, a iluminação artificial, principalmente de fontes que emitem luz vermelha e infravermelha, prolonga a duração do dia; consequentemente, podem alterar os padrões de floração e, mais importante, promover o crescimento contínuo, evitando que as árvores desenvolvam seu período de dormência, essencial para sua sobrevivência no inverno.

Neste contexto, é importante saber que os diversos tipos de luminárias emitem longitudes de ondas diferentes dentro do espectro eletromagnético, portanto, o efeito que pode ter o fotoperíodo das árvores varia de acordo com o tipo de fonte luminosa.    

Uma pesquisa recente na Republica Checa revelou que o efeito que a iluminação noturna pode ter nas árvores depende de diversos fatores como: a espécie vegetal, a disposição das luminárias, o tipo de fonte luminosa, a quantidade de lux que recebem durante a noite e o clima. Ainda assim, são poucos os estudos referentes a esse assunto.

Concluindo, como designers de iluminação é urgente realizar estudos sobre o assunto, avaliar as melhores alternativas na hora de projetar e levar em consideração que cabe a nós preservar nossos ecossistemas. Embora a luz possa ter um efeito ambiental marginal em comparação com outras disciplinas, é necessário conceber esta profissão não pensando apenas na nossa segurança e conforto visual, mas também numa perspectiva global, onde a cultura, o ser humano e os nossos ecossistemas estão parte de um design abrangente e consciente.

Bibliografia:

  • BENNIE, J., DAVIES, T.W., CRUSE, D., GASTON, K.J. (2016): Ecological effects of artificial light at night on wild plants. Journal of Ecology, 104(3): 611–620.
  • ŠKVARENINOVÁ, J., TUHÁRSKA, M., ŠKVARENINA, J., BABÁLOVÁ, D., SLOBODNÍKOVÁ, L., SLOBODNÍK, B., STŘEDOVÁ, H., MINĎAŠ, J. (2017): Effects of light pollution on tree phenology in the urban environment. Moravian Geographical Reports, 25(4): 282–290. Doi: 10.1515/mgr-2017-0024.
  • Chaney, William R. (2002): Does Night Lighting Harm Trees? Department of Forestry and Natural Resources, Purdue University, West Lafayette, IN 47907
  • french-Constant RH, Somers-Yeates R, Bennie J, Economou T, Hodgson D, Spalding A, McGregor PK. 2016 Light pollution is associated with earlier tree budburst across the United Kingdom. Proc. R. Soc. B 283: 20160813. http://dx.doi.org/10.1098/rspb.2016.0813

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